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Reflexões Sobre a Humanidade do Psicólogo na Prática Clínica

  • Foto do escritor: Pedro Kunzler
    Pedro Kunzler
  • 28 de dez. de 2024
  • 3 min de leitura
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A prática clínica nos coloca, dia após dia, diante de histórias de sofrimento, de desafios e de transformações. É fácil, nesse contexto, imaginar o psicólogo como alguém que ocupa uma posição de estabilidade inabalável, detentor de respostas certeiras e emocionalmente imune às dificuldades que enfrenta em sua vida pessoal. Contudo, essa percepção idealizada não apenas é irreal, como pode ser prejudicial tanto para o terapeuta quanto para a relação terapêutica.


O psicólogo não é, e nunca será, um ser perfeito. Antes de qualquer técnica ou teoria, ele é um sujeito em constante processo, atravessado por dúvidas, angústias e desafios pessoais. E é justamente essa humanidade — a vulnerabilidade vivida e reconhecida — que se torna uma ferramenta indispensável no encontro terapêutico.


A vulnerabilidade como ferramenta clínica


Acreditar que o psicólogo deve ocultar suas próprias fragilidades em nome de uma suposta “neutralidade” é ignorar a potência transformadora que a autenticidade carrega. Quando o terapeuta trabalha suas próprias dores e lida honestamente com suas limitações, ele ganha algo que nenhum manual pode ensinar: perspectiva. É essa perspectiva que nos permite acolher o paciente sem julgamentos, com uma compreensão profunda de que a mudança não é linear e que as recaídas fazem parte do processo.


Essa prática de olhar para si mesmo, no entanto, não é simples. Requer coragem para encarar os próprios pontos cegos e disposição para permanecer em constante movimento, mesmo quando isso significa revisitar dores antigas ou enfrentar aspectos difíceis de nossa personalidade. Não se trata de perfeição, mas de autenticidade. E a autenticidade, no contexto terapêutico, cria confiança e conexão, porque nos torna acessíveis e humanos.


O psicólogo como exemplo vivo


Uma das maiores forças do psicólogo é a capacidade de aplicar a si mesmo as ferramentas que propõe aos seus pacientes. Quando falamos de autocompaixão, aceitação ou resiliência, não estamos nos referindo a conceitos abstratos, mas a práticas que experimentamos em nossa própria trajetória. Essa vivência torna nossas intervenções mais legítimas e confiáveis, porque falamos a partir de um lugar de experiência, não de teoria vazia.


Essa postura não implica transformar o setting terapêutico em um espaço para compartilhar nossas histórias ou fragilidades pessoais, mas em um compromisso silencioso de que estamos praticando aquilo que pregamos. Ser um terapeuta que enfrenta suas próprias vulnerabilidades inspira, não por idealizar uma perfeição inalcançável, mas por demonstrar que é possível caminhar com dignidade mesmo em meio às adversidades.


Reflexões clínicas


Na prática clínica, é fundamental reconhecer os momentos em que nossas questões pessoais atravessam o setting. O que evitamos explorar em nossos pacientes pode ser, muitas vezes, um reflexo de algo que ainda não enfrentamos em nós mesmos. Nesse sentido, supervisionar e buscar análise pessoal são práticas essenciais, não como medidas de reparo, mas como formas de cuidado contínuo.


Além disso, trabalhar nossas fragilidades nos ensina a olhar para o paciente com mais generosidade. Compreendemos que não se trata de eliminar o sofrimento, mas de encontrar sentido e propósito apesar dele. Essa compreensão nos permite acolher o outro de um lugar menos punitivo, mais empático e verdadeiramente transformador.


Um chamado à autenticidade


A humanidade do psicólogo é o que nos torna verdadeiramente capazes de transformar vidas. Reconhecer nossas limitações, enfrentar nossas dores e nos permitir falhar não nos enfraquece; nos fortalece. Inspiramos confiança, não pela ideia de que temos todas as respostas, mas pela disposição em caminhar ao lado de quem sofre, enfrentando o mesmo desafio: construir uma vida que faça sentido, mesmo em meio às imperfeições.


Como psicólogos, nossa tarefa não é ser perfeitos, mas autênticos. É lembrar que nossa vulnerabilidade, quando acolhida e trabalhada, não é uma fraqueza, mas uma força que nos conecta, nos humaniza e nos faz agentes de transformação real. Porque, no fim, é a nossa humanidade que inspira. E é nela que reside o poder do encontro terapêutico.

 
 

©2019 - 2025 by Pedro Kunzler

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